segunda-feira, 6 de maio de 2024

quinta-feira, 2 de maio de 2024

O INTELIGENTE E O SABIDO




Há duas categorias de pessoas que, sobretudo no Rio Grande do Norte, merecem um debruçamento maior, uma atenção mais atenta, um enfoque mais aproximado: o inteligente e o sabido.

O inteligente é como o grão. Se não morrer, será infecundo. A fecundidade do sabido é feita na cotidianidade dos seus sonhos.
O inteligente é aritmético. Consegue sobreviver. O sabido é geométrico. Quase sempre vive sobre. O inteligente é polivalente na ordem do conhecimento. O sabido, na ordem do aproveitamento. O inteligente é grosseiro às vezes, mas humano, profundamente humano. O sabido se irrita, mas é sempre fino. Fino e aderente. Sobretudo ao poder. E quando eu falo em Poder, não me refiro pura e simplesmente ao Sistema. Me refiro ao poder, podendo. Feito de números. Sobretudo de números.
O inteligente pode ser desligado. O sabido, nunca. O inteligente gosta de se encontrar com velhos amigos. O sabido prefere localizar novos. Se vão lhe render dividendos. O inteligente é simples. O sabido é complexo.
Chegar a ele, às vezes não é fácil. O mundo é dos sabidos. A vida, dos inteligentes. Na sua intensidade. A ambição do inteligente é limitada. Porque limitada, nem consegue ser ambição. O sabido é, sobretudo, ambicioso, explicação maior do seu sucesso. O inteligente poderá ser sábio. O sabido, jamais. A fé do inteligente é escatológica.
Do sabido, circunstancial. O inteligente não consegue ser audaz. A ousadia, porém, é o oxigênio do sabido. O inteligente aguarda a morte como passagem; para o sabido, ela não é objetivo de cogitações.
O inteligente gosta de bibliotecas; o sabido, de computadores. O inteligente sonha com Paris, escreve maravilhosamente sobre Paris, mas suas notas são escritas em Tibau ou na Redinha. O sabido dorme em Lisboa, acorda em Hong-Kong e janta em Ponta Negra.
O inteligente sorri. E no sorriso se esboça a silhueta da paz. O sabido ri. E ri gostosamente. O inteligente tem saudades; o sabido, nostalgia. O inteligente mergulha no silêncio. O sabido vira taciturno. O inteligente fica só, para estar com os outros; o sabido, para libertar-se deles.
O inteligente cria; o sabido amplia. O inteligente ilumina; o sabido ofusca. O inteligente pensa em canteiros de flores; o sabido, em projetos de reflorestamento. O antônimo de inteligente é burro, de sabido é besta; às vezes (quem sabe) viram sinônimos.
Ser, para o inteligente é fundamental. Parecer, para o sabido é prioritário. E como vivemos no mundo das aparências, nele o inteligente não terá vez. Desde que mude os seus critérios. Aí então, aflora a crise do desencanto.
É quando a mediocridade se entroniza, o supérfluo se instala e a inteligência se rende. A não ser que o inteligente se chame Unamuno, reitor imortal. Por isso, ele foi magnífico. Do contrário não teria sido reitor, mas feitor. E de feitores o Brasil está cheio. Sabidos, por sinal.
Sabido é Diógenes da Cunha Lima. Inteligente é Jarbas Martins.
Cascudo é inteligente. Sabida é sua entourage.
Inteligentes são Zila Mamede e Otto Guerra.
Inteligente é Waldson Pinheiro. Inteligente foi Miriam Coeli. Inteligente é Padre Ônio (de Cerro Corá) e Dom Heitor (de Caicó). Inteligente foi Dom Costa (de Mossoró). Inteligente foi o pastor José Fernandes Machado.
Inteligente é Anchieta Fernandes. Inteligente é Vingt-un.
O inteligente compra livros. O sabido, ações.
Para o sabido, as letras que realmente valem são letras de câmbio. Inteligente é quem trabalha para viver razoavelmente. Sabido é quem consegue que outros trabalhem para que ele viva maravilhosamente. O inteligente sua. O sabido transpira.
O inteligente acorda cedo. Para ele, Deus ajuda a quem madruga. O sabido acorda tarde. Outros madrugam por ele. Sem o inteligente, o que seria do sabido?
Inteligentes são Manoel Rodrigues de Melo e Raimundo Nonato.
Sabido é Paulo Macedo. Também “imortal”.
Inteligente é Dorian Jorge Freire. Sabido é Canindé Queiróz.
inteligentes são Eulício e Inácio Magalhães. Inteligente era Hélio Galvão. Sabido é Valério Mesquita.
Inteligentes eram José Bezerra Gomes e João Lins Caldas. Inteligente foi Jorge Fernandes. Sabido, Sebastião.
Inteligente é Erasmo Carlos. Sabido é Roberto.
Inteligente foi Garrincha. Sua inteligência, porém, não foi além de suas pernas. Com elas, encantava. Sabido é Pelé. Transformou suas pernas em objeto de lucro. Não é a toa que a cidade de Garrincha se chama Pau Grande. E Pelé nasceu onde? Não foi em Três Corações?
Ao mesmo tempo pode amar Xuxa, o Cosmos ou as audiências na Casa Branca.
Há um campo, porém, onde o número de sabidos é pródigo. Mas pelo menos hoje, eu não quero pensar nos inteligentes e sabidos quando se trata de competição eleitoral.

Em, Apesar de Tudo,  1983, Natal

domingo, 28 de abril de 2024


EM DELÍRIO

Por que é que nós vivemos tão distantes,
Si estamos neste sonho todo incerto:
- Eu ao teu lado em pulsações vibrantes,
E tu, longe de mim, sempre tão perto?
E é isso como um lúgubre deserto
onde andem as chamas palpitantes
Deste amor, deste amor que vive aberto
para os teus cem mil beijos escaldantes!
Amo-te! E fui-te sempre à eterna esquiva...
Mata-me agora esta aflição tão viva
Que explode em mim, que no meu seio estua...
Que tu não sejas meu, pouco me importa...
Mas tira-me esta dor que me transporta
A este desejo eterno de ser tua!
(Carolina Bertholo)
___________em, revista Fon-Fon, Rio de Janeiro, 1924.



sábado, 27 de abril de 2024

 Assu Antigo


(TEXTO DO JORNALISTA E ESCRITOR CELSO DA SILVEIRA, PUBLICADO NO DIÁRIO DE NATAL, 1983, RECHEADO DE VERDADES, TEMOR, FICÇÃO SOBRE A BARRAGEM ARMANDO RIBEIRO GONÇALVES E O POLÊMICO E INTRANGENTE DEFENSOR DA NÃO CONSTRUÇÃO DA BARRAGEM DO ASSU DA FORMA QUE SE CONTRUIA, VEREADOR ADAUTO LEGÍTIMO BARBOSA, PERSONAGEM PRINCIPAL DO ARTIGO DE CELSO DA SILVEIRA, COMO ABAIXO PODEMOS CONFERIR).
(Fernando Caldas)
A ANTIPORTA DO TERCEIRO MUNDO
Eis a seguir o relato que faço de como se passou a fantasiosa aventura vivida pelo original Cavaleiro Medieval Adauto Legítimo Barbosa, emissário ao Terceiro Mundo do Reino Unido Brasil/Portugal, em território do Assu, onde presenciou e deu testemunha aos índio os santos ali colocado Janduis, dos surpreendentes fenômenos de acomodação de terra decorrente da barragem engenheiro Armando Ribeiro Gonçalves, cujas águas acumuladas em determinado lugar do rio Piranhas/Assu, deixaram submersa a cidade do arcanjo Rafael, suas jazidas de mármore -e de schelita e sua igrejinha onde, no altar-mor, estava entronizada a imagem pura da santíssima virgem da Conceição e onde chegou o direito cavaleiro-mergulhador a tempo de recolher os lamentos da população, os da padroeira e de todos os santos ali colocados nos altares menores, e as imprecações do povo que perdeu sus casas, seus apetrechos de exploração de minérios, além de fogos de explodir pedreiras e trens de casas, urinós, urupemas, landuás, caçuás e jegues de transporte da produção agrícola – jerimuns, melancias melões, feijões, batatas e algodões em pluma.
O dito cavaleiro surgiu na política da sesquicentenária ex-Vila Nova do Arraial da Princesa e se fez vereador eleito para defesa do povo e sua cultura tradicional e para esse mesmo povo editou o JORNAL PAREDE onde divulgou o seu trabalho em prol da comunidade cívica. É um jornal escrito em letras garrafais, exposta na fachada de sua própria casa, o que justifica o nome, e suas matérias, digo, e suas notícias têm duração de mais de oito dias em exposição para perpétua memória de todos. Nesse jornal, ao mesmo tempo matutino, vespertino e noturno, o vereador Adauto Legitimo Barbosa faz seu proselitismo político e a contesta a construção do maior reservatório dágua do Nordeste brasileiro, justo a BARRAGEM dessas águas do Assu, acumulando dois bilhões e quatrocentos milhões de métricos cúbicos, formando um lago maior do que a Baia da Guanabara e nele cabendo mais de trinta lagoas do Piató cheias pelos beiços – que é o maior ajuntamento dágua natural do estado do Rio Grande do Norte.
Para o vereador Adauto, a parede da Barragem fora construída com material imprestável à sua segurança, e durante a edificação desse colosso se registra um deslizamento de barro, causando desconfiança sobre a tecnologia empregada na obra e desacreditando a competência da empresa Andrade Gutierres, que pela primeira vês construía uma barragem inteiramente de terra seca.
O alarme repercutiu em todo o país, como se aquela massa deslocada tivesse desabado sobre a população sepultando-a sob escombros.
Logo a igreja levantou o seu protesto contra a conclusão da obra. Uma neurose coletiva de inundação e arrasamento de seis cidades começou a invadir e dominar o centro nervoso das pessoas do Vale – Nas cidades do Vale – Assu, Ipanguaçu, Carnaubais, Pendencias, Alto do Rodrigues e Macau – instalou-se o pânico. Qualquer chuva e o povo já se retirava para os pontos mais altos. Muitas pessoas emigraram, desfazendo-se dos próprios bens por pouco-mais-ou-nada. Na igreja os padres maldizem a barragem e incitam as autoridades a não teimarem na sua construção.
- Essa barragem é maldita. É obra do Anti-Cristo. Ela vai arrasar as cidades do Vale.
E outras vozes discordantes completavam:
- Aqui vai se confirmar a profecia de Frei Ibiapina de que “O Assu vai virar cama de Balei”.
Outros divulgavam profecias do Padre Cícero (“No sertão vai haver muito pasto e pouco rastro”), de Antônio Conselheiro e até do Zumbi. Uma dessas profecias a gente trouxe do fundo da cova de Jararaca, cabra de Lampião assassinado em Mossoró, em 1928, com a sentença mais cruel de todas: “O vale não vale nada”, felizmente contestada por um ex-servo de Deus que já abandonara as hostes católicas e gritava sozinho em meio ao vendaval: “vamos ver quanto vale este meu vale”.
Afinal a Barragem Armando Ribeiro Gonçalves sangrou pelos quatro sangradouros de alvenaria de concreto, eles todos somam 910 metros lineares de comprimento. Chegou a represar três bilhões e duzentos mil metros cúbicos dágua – 800 milhões a mais de sua capacidade de armazenamento.
As águas da sangria invadiram a várzea, estenderam-se até os tabuleiros e entraram na rua. Parte da população retirou-se para as casas dos altos. Alguns desabrigados, em Ipanguaçu, foram deslocados para barracas de lona da Defesa Civil. Houve inquietação, temor, medo.
Em São Rafael a torre da igreja sumiu n espelho do lago. Só a água e o silêncio imperavam sob a cidade desaparecida lá no fundo mais fundo da barragem. Mas, não foi a cidade que desceu, foram as águas que subiram.
Foi aí que a figura misteriosa e enigmática do Cavaleiro/Vereador reapareceu. De escafandro ajustado ao corpo, ele desceu às profundezas do lago, junto à igreja, e foi assuntar as imagens religiosas o que diziam e apreciar a paisagem subterrânea.
Presenciou uma cobra de cipó enroscada no bastão de São José e uma caninana com a presa encravada na batata da perna do Senhor Morto. Viu a imagem da Virgem da Conceição acenando o dedo indicador num gesto de quem o chamava para mais perto. Viu que Santo Antônio estava com a boca colada ao ouvido de São Benedito como se submetesse à uma confissão auricular. Seu espanto maior, porém, foi ver Xicó de Aninha, comprador de ouro quebrado tocando joias e coroas da santa. Afastou o incréu e recolheu beatamente a coroa para entrega-la ao Bispo Xanduzinho, que a consagraria na sua santa igreja brasileira e aí havia por bem ficar sob a bênção “da boa-venturança eterna! Do santificado monsenhor Júlio Alves Bezerra.
Adiante Adauto Legitimo Barbosa encontrou Chico Galego, explorador e comprador de minérios, às voltas com dúzias de bananas de dinamite, tentando trazê-las para a superfície, mas suas forças eram mínimas para a grandeza da carga.
A visão mais terrível o Cavaleiro testemunhou à noite, quando um barco lançou uma sonda luminosa para encandecer os cardumes de peixes, que a essa altura varavam as águas em todas as direções. Um bagre engoliu a tocha e tornou-se transparente ao ponto de atrair florações de tucunarés, pescadas, curimatãs, traíras, Sardinhas, cangatis, corós, piaus e camarões. Vila franca para conduzi-los em procissão até ao patamar da igreja e ali todos eles rugiam como se orassem à Padroeira num ato de solidariedade e de fé cristã.
Outra estranha aparição ao Cavaleiro escafandrista, foi a de um rebanho de galinhas, caipiras, guinés e perús de terreiros, catando com o bico restos de ovas de curimatãs. Enquanto as ovas eram degustadas, espelhos e escamas de peixe reduziam no dorso de serpente prateadas. De repente passou raspando o nariz de Adauto um peixe/fogo, tão transparente em suas cavernas viscerais, que deixava ver, como numa chapa raio-X, os objetos recolhidos nos altares – uma gargantilha de brilhantes em platina, um castiçal e uma miniaturização de um santo homem em oração. Era o Padre Luiz Guimarães, humilde e antigo donatário de um capelania no Itajá do Lopes, situado naquelas redondezas. Tudo a cinquenta palmos de profundidade, com Adauto Legítimo Barbosa cara a cara com a ante porta do Terceiro Mundo.
Postado por Fernando Caldas)
Foto do Diário de Natal, 1983

segunda-feira, 22 de abril de 2024

 UMA VEZ


Por Virgínia Victorino (1898/ 1967)

Ama-se uma vez só. Mais de um amor
de nada serve e nada o justifica.
Um só amor absolve, santifica.
Quem ama uma só vez ama melhor.

Qualquer pessoa, seja lá quem for,
se uma outra pessoa se dedica,
só com essa ternura será rica
e qualquer outra julgará pior...

Há dois amores? Qual é o verdadeiro?
Se há segundo, que é feito do primeiro?
Esta contradição quem foi que fez?

Quem ama assim julga que amou;
mas pode acreditar que se enganou
ou da primeira ou da segunda vez?

________________in, Namorados, 1938 

sexta-feira, 19 de abril de 2024

Da solidão

 


Vicente Serejo
serejo@terra.com.br

O ser humano, desde a caverna, tem medo da solidão. Há mais de dois mil anos sonha e procura companhias no Universo. Agora mesmo, o jornalista Salvador Nogueira, especializado em temas científicos, na Folha de S. Paulo, revelou detalhes da pesquisa mais recente do Instituto de Tecnologia de Massachutts, EUA, sobre a “chance de vida nas nuvens de vênus”. É uma hipótese, mas o texto revela que as suspeitas começaram bem antes, em 1960, portanto, há mais de 60 anos.

Os cientistas, segundo o texto, não negam que Vênus é teoricamente inabitável pelo que se sabe até agora. Mas, a ciência sempre partiu de hipóteses. Se a atmosfera de Vênus é noventa vezes mais densa do que a da terra, a suspeita parte do princípio que a temperatura de Vênus no solo tem “temperatura e pressão similares à Terra, ao nível do mar, toleráveis para microorganismos terrestres”. E estão certos: as “nuvens venusianas são ricas não em água, mas em ácido sulfúrico”.

Nogueira não nega a grande diferença entre ser habitável e ser habitado. As nuvens lá de Vênus são apenas nuvens, mas, provavelmente, há bilhões de anos, foram mais hospitaleiras, além da possibilidade real de ter abrigado “oceanos de água, antes que o efeito estufa descontrolado o transformasse no inferno quente que é hoje”. Para não cair no desafio de tentar explicar, num texto para leigos, os efeitos da fosfina e de uma estranha função de absorver o seu efeito ultravioleta.

A astrofísica sabe: o planeta Vênus é o mais próximo da Terra, há 61 bilhões de distância, com vulcões, montanhas e vales. Tem a nossa velha e secular simpatia de ser a nossa Estrela Dalva, anunciadora do amanhecer, e que, para os sertanejos, é também a ‘Papa-Ceia’, que chega no lusco-fusco da tarde a encantar os poetas românticos. Ninguém desejou mais ter a Estrela da Manhã do que o poeta Manuel Bandeira: “Meus amigos, meus inimigos / procurem a estrela da manhã”.

Não sou contra, declaro, que os cientistas venham a invadir com seus telescópios as nuvens de Vênus. Mas, que o façam com certa parcimônia. 

Também não é possível sobreviver na Terra sem alguns mistérios. Deve ser muito desinteressante viver sem nada de misterioso, se a própria vida é um mistério. Vão mandar uma sonda, logo já, em janeiro e 2025, com seus olhos de células da mais fina nobreza eletrônica, mas não pensem eles que Vênus será tão fácil de ser conquistada.

É real a chance da sonda, na sondagem que é seu fim, voltar de Vênus com novidades em imagens perfeitas das nuvens. Ora, não duvido da ciência. 

, acho que, às vezes, mesmo sendo legítima a boa curiosidade, os cientistas passam muito do ponto. Desconfio que não deve ser bom perder os mistérios que cercam a vida humana há milhões de anos. A solidão tem sua graça. Desde que alguém fez das mãos uma concha e, pela primeira vez, apanhou a água para matar a sede…

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Fiz-lhe ver aquilo que representava para a minha vida.
O que representava para o meu destino.
Era a minha vida.
Era o meu destino.
Aos seus olhos porém nada que aquilo lhe representou.
E queimou a minha alma.
E queimou o meu destino.
(Caldas, poeta potiguar)



Tudo tem origem nos sonhos. Primeiro sonhamos, depois fazemos (Monteiro Lobato)