sexta-feira, 5 de agosto de 2011

JOÃO LINS CALDAS NA NOROESTE DO BRASIL

                                                         Imagem: flickr.com - Antigo vagão da E. F. Noroeste do Brasil.

João Lins Caldas [poeta potiguar do Assu] era funcionário público do Ministério do Trabalho no Rio de Janeiro. Entre 1927-30, esteve em Bauru, interior de São Paulo trabalhando na administração da  Estrada de Ferro Noroeste do Brasil - NOB, também conhecida popularmente como o "Trem do Pantanal". Aquela ferrovia que no começo era de iniciativa privada, passou a partir de 1917 a ser controlada pela união. O trem partia de Bauru, seguindo em direção noroeste a Mato Grosso [hoje Mato Grosso do Sul]. Pois bem, Caldas logo que chegou na terra baruense, assumiu o emprego e logo também começou a investigar irregularidades praticadas por pequenos funcionários e diretores daquela companhia. Não aceitando desmando no serviço público federal começou a denunciar através de ofícios e telegramas ao Ministro da Viação e Obras públicas José Américo de Almeida e ao presidente Getúlio Vargas cujas denuncias, talvez, tenha sido o motivo para que Vargas  por decreto lhe aposentou precocemente. O bravo Caldas [nada o intimidava] usava até da sua arte de poetar para registrar os apadrinhamentos, os abusos praticados naquela ferrovia que o deixava indignado, conforme podemos conferir no longo poema [muito atual] intitulado Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, escrito em 1927, que transcrevo adiante:  


Bauru. Nobreza da Noroeste.
A Cabeça tem corpo e Bauru tem cidade...
Capadácios, com milhares de contos.
Cafezais que vão longe, rumo de Mato Grosso...
 - E quando, enfim, tudo já desbravado...
As madeiras que se perdem, podres nas plataformas
Aqui e ali um assassinato.
Outro, um chefe político...
E mais o tom doutoral de um professo ser termos...
Ah!  Eu conheço isto,
Eu também que tolero tantas cousas.                                           
Vi a barranca do Paraná.
A ponte como torre.
E vi o orgulho da diretoria
Engenheiros sem construções, fardados nos seus empregos.
Eu, pobre de mim, funcionário da engenharia...
Outros professam melhores empregos.
Há a hora da política, com liberdade e compra de votos.
Circulares de armas afeito que ninguém vê nas repartições.
Um voto? Votar não se pode, quando a idéia é um pouco de encontro ao governo.
E o mais que se vê é a musica de pancadaria.
Mas é, um pouco, para armar por fora.
Eu sei, não logro uma promoção.
Não sei, não ouso pedir, tem o filho do senhor diretor.
Guia, quase, um automóvel.
Um pirralho, meu Deus, e eu que não vejo olhos tão inteligentes!
Musica sim, para quase tantas verbas!
Um criado é que sabe ser um ser inteligente.
Aquele, ali, promovido?...
Tem, com certeza, o seu valor...
O valor com certeza é ir a casa de quem se agrada...
Que casa linda, aqui, a do senhor diretor!
Os casamentos se fazem como em nobreza...
Esta terra, que jeito de nobreza ela guarda nos gestos!
Os capitães assassinos de inteligências intensificadas...
E ah! Como bem aqui se paga imposto!/ As ruas estão arruadas...
Um pouco, com as árvores que se cortam das ruas...
Calçamentos, do bom, do dinheiro do povo...
Orçamentos que não se vêem a passar de mil contos...
Anda bem, o povo mesmo é que não sabe nada...
Paga, paga outra vez...
Gritar? Isto é para mais uma vez o calçamento...
Histórias da Noroeste do Brasil
O que se ronca, palavreado por fora.
Regulamentos, leis, para o registro de folhas...
Este que tem a sua casa, ali, num pacote de velas...
Ali, também, aquela casa de comércio.
Essa outra com o seu associado.
Negócios para a estrada e negócios da estrada...
Escritos que me recordam a segunda seção...
Ah, mas no fim que dá certo.
Ó belas cousas da Noroeste!
Propinas da seção de embarque...
Os basbaques lá vão, eu sou bastante que ainda trabalho...
Eu sou basbaque, cumpro um dever.
Eu basbaque, tenho um dever.
Malha, martelo, malha este malho.
Noroeste do Brasil, minha paixão! 
Propinas da seção de embarque
- Os basbaques lá vão, que eu sou basbaque e sem que trabalhem...
Que dirá o diretor do tráfego,
Negócios por esta Noroeste,
Um sobrinho em negócios - Eu sei um pouco da fiscalização -
Mas vamos, sou poeta, e me falta um dever
Tenho um dever, e sem adulação.
Malha, martelo, bata no chão.

Postado por Fernando Caldas


Em tempo: O referenciado poema é parte integrante da Tese de Doutorado da professora Cássia Matos da UERN. 













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